sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Quarter Past Eight pm

“Não sei o que significa, se tem, ou terá algum significado o que está acontecendo entre a gente, mas, acredito que devo contar uma coisa importante a você: sou soropositivo.”

Não pode ser apenas obra do acaso. E, se for, que poder maligno é esse, que nos faz desconfiar – e temer – ainda mais, de nossas escolhas e decisões? Em muitos momentos tive minha vida tingida em tons dramáticos. Certo que, em outros tantos (talvez a maioria), as cores foram aquelas do mais puro êxtase e felicidade. Porém (e não sei se acontece apenas comigo), como é difícil desmemoriar o escuro das tristezas! Sempre julguei possuir uma boa estrutura para acolher e cuidar e tornar mais fácil a vida de quem caminhava comigo nesses momentos de escuridão. Hoje... acho que perdi essa estrutura! Sinto-me sem forças.

Passei a semana pensando sobre o que aconteceu. Na hora em que, confiando em mim, abrindo sua alma, ele me disse aquilo que o afligia tanto (desde o começo eu pressentia algo difícil, mas não desse tipo), eu tentei – juro! – eu tentei demonstrar força! Eu tentei passar firmeza! Mas, não deu! Simplesmente desmontei. Sabe a sensação de querer fugir? Eu continuei ali com ele, fisicamente eu continuei. Minhas palavras, no entanto, ao menos as que consegui pronunciar, indicavam uma total ausência de mim. Definitivamente, não tenho estrutura.

O que era suposto fazer, falar? “Esticar” o assunto? Perguntar “como foi”? Não fiz nada disso. Dizer frases prontas, como as fatídicas “ah, hoje esse problema é controlável!”, ou “com os tratamentos atuais, vive-se perfeitamente bem!”... sem chance pra mim! Até que ponto sou preconceituoso? Até que ponto egoísta? Até que ponto esse medo é o resultado de uma história que vivi, apenas isso, e não um medo em si, um medo em mim? São muitas questões. Justo em uma fase em que eu vislumbrava uma grande paz de espírito. E ele, de certa forma, compunha perfeitamente como parte dessa paz. Agora, não sei.

Dessa vez, tendo ainda muita pista de voo antes do instante “sem volta” (o tal V1/VR), penso seriamente em abortar a decolagem. Como fazer isso sem magoar, sem ser canalha (pois, covarde já está admitido de antemão!), sendo apenas sincero? Eis a grande questão! Quando? Hoje? Daqui a 45 minutos ele começa sua apresentação...

PS: Eleven o’clock: não fui.




4 comentários:

  1. Seja honesto com ele e seja honesto com você. Diga exatamente o que você escreveu aqui! Se não for para continuar seja generoso com ele como ele foi com você.
    Todos nós devemos saber o motivo pelo qual somos abandonados.
    O seu motivo foi a morte , senhora suprema, mas tanto o seu companheiro como você sabiam disso e sabiam do amor que existia entre vocês.
    Dê ao cantor a dignidade de saber o motivo ou você estará desrespeitando tudo aquilo em que você acredita!
    bjs

    ResponderExcluir
  2. Jose foi perfeito no comentário. O caminho é este mesmo. Permito-me acrescentar> "esse medo é o resultado de uma história que vivestes, apenas isso, e não um medo em si, um medo em você". Mas, considere: Até quando deixarás de viver em função do medo? O tempo é implacável meu amigo.

    Seja feliz! Permita-se! Mas claro que do seu jeito ... quem sou eu para estabelecer rotas para alguém.

    Beijão

    ResponderExcluir
  3. Bem, é a primeira vez que comento no seu blog. Em primeiro lugar deixa eu te dizer uma coisa: sou soropositivo. Eu imagino o que você deve ter passado porque já estive do outro lado. Eu já tive situações em que um amigo revelou a mim que era soropositivo, e mesmo eu não tendo nada com ele, alem da amizade, senti uma sensação estranha. Hj, vivendo do lado de cá, já há 6 anos com o diagnóstico, e tendo o virus controlado, acho que posso dizer o seguinte: muita gente tem receio pq ainda tem aquela visão do tratamento, lá de anos atrás. Não sei se é este o seu caso, mas se o for, tá na hora de você entender que as coisas mudaram e muito. Hoje é uma doença crônica, cujo tratamento é bem menos agressivo. Se eu te mostrasse meus exames voce veria que possivelmente tenho mais saúde do que alguns amigos com os quais convivo. Outra coisa: acho que vc deveria pesar na balança, permitir-se viver essa história e entender que o hiv é apenas ("apenas" só pra deixar mais claro) um aspecto da vida desse cara, que pode ser uma pessoa fantástica, OU .... terminar tudo pela segurança de não ter contato com o virus. Mas sinto-lhe informar, talvez vc já saiba disso, que caso vc tenha uma vida minimamente agitada, a probabilidade de você já ter ficado com alguem soropositivo e que o mesmo nem sabe que é , é muito grande. Eu sei que é fácil falar isso estando do lado de ca, mas eu acho que uma conversa franca, faria bem aos dois, e aí vc poderia perguntar como está o CD4 dele, a carga viral, etc e tal. Se vc sentir que ele está sendo sincero, se os indicadores estiverem todos bons, meu caro, porque não se permitir? Se ele estiver com carga viral indectavel, e vcs transarem de camisinha, a probabilidade de vc contrair o virus é proxima de zero. Então resumindo, o meu conselho é: informe-se, converse francamente com ele, pergunte tudo e se permita, pq um vírus não pode ser maior do que outras coisas como amor, afeto, amizade, ser feliz enfim. Abraços .

    ResponderExcluir
  4. Cara, sou o mesmo que escreveu as 20:03. É que tive de dar uma saída e me lembrei de outra coisa pra lhe falar. Vamos pensar o seguinte, qual seria a pior hipótese possível? Ele ser soropositivo e não estar com os indicadores bons (o que eu acho difícil já que se ele teve a decencia de te contar, eu acredito que seja uma pessoa que tenha bons principios e tb que não seja um suicida que não se cuida e espera a morte), digamos que vcs transem sem camisinha, o que acho mais dificil ainda agora que vc sabe da sorologia dele, digamos ainda que vc venha a ser infectado, o que eu não desejo, mas digamos que acontecesse, o que viria depois? Eu posso te dizer que é ruim, mas não é o fim do mundo como eu pensava. Com certeza outras doencas como cancer, causam muito mais sofrimento. Estou te dizendo isso pra vc pensar o seguinte: a hipótese de vc se infectar é tão remota que acho que não valha o seu sofrimento. Desculpa ter me extendido tanto mas é que eu realmente torço pra que de certo pra vc e pra ele, acho que consigo imaginar o que ele deve estar sentindo, me pus no lugar dele e no seu também. Acho que se vc conseguir ultrapassar essa barreira vai ser muito bom pra vc e pra ele, se não conseguir acredito que vc poderia tentar pelo menos manter uma amizade. Abração cara.

    ResponderExcluir