“Não sei o que
significa, se tem, ou terá algum significado o que está acontecendo entre a
gente, mas, acredito que devo contar uma coisa importante a você: sou
soropositivo.”
Não pode ser apenas obra do acaso. E, se for, que poder
maligno é esse, que nos faz desconfiar – e temer – ainda mais, de nossas
escolhas e decisões? Em muitos momentos tive minha vida tingida em tons
dramáticos. Certo que, em outros tantos (talvez a maioria), as cores foram
aquelas do mais puro êxtase e felicidade. Porém (e não sei se acontece apenas
comigo), como é difícil desmemoriar o escuro das tristezas! Sempre julguei
possuir uma boa estrutura para acolher e cuidar e tornar mais fácil a vida de
quem caminhava comigo nesses momentos de escuridão. Hoje... acho que perdi essa
estrutura! Sinto-me sem forças.
Passei a semana pensando sobre o que aconteceu. Na hora em
que, confiando em mim, abrindo sua alma, ele me disse aquilo que o afligia
tanto (desde o começo eu pressentia algo difícil, mas não desse tipo), eu
tentei – juro! – eu tentei demonstrar força! Eu tentei passar firmeza! Mas, não
deu! Simplesmente desmontei. Sabe a sensação de querer fugir? Eu continuei ali
com ele, fisicamente eu continuei. Minhas palavras, no entanto, ao menos as que
consegui pronunciar, indicavam uma total ausência de mim. Definitivamente, não
tenho estrutura.
O que era suposto fazer, falar? “Esticar” o assunto?
Perguntar “como foi”? Não fiz nada disso. Dizer frases prontas, como as
fatídicas “ah, hoje esse problema é controlável!”, ou “com os tratamentos
atuais, vive-se perfeitamente bem!”... sem chance pra mim! Até que ponto sou
preconceituoso? Até que ponto egoísta? Até que ponto esse medo é o resultado de
uma história que vivi, apenas isso, e não um medo em si, um medo em mim? São
muitas questões. Justo em uma fase em que eu vislumbrava uma grande paz de
espírito. E ele, de certa forma, compunha perfeitamente como parte dessa paz.
Agora, não sei.
Dessa vez, tendo ainda muita pista de voo antes do instante
“sem volta” (o tal V1/VR), penso seriamente em abortar a decolagem. Como fazer
isso sem magoar, sem ser canalha (pois, covarde já está admitido de antemão!),
sendo apenas sincero? Eis a grande questão! Quando? Hoje? Daqui a 45 minutos
ele começa sua apresentação...
PS: Eleven o’clock: não fui.